Nos anos 1960, Cristiano Toraldo di Francia e Adolfo Natalini, então estudantes de arquitetura da Universidade de Florença, assumiram um posicionamento pungente e questionador em relação à disciplina da arquitetura, despertando uma onda revolucionária que viria a se espalhar rapidamente por toda a Europa. Inspirados em histórias de fantasia e ficção científica e buscando encontrar respostas para os principais problemas de sua época, a dupla que se autodenominava Superstudio, buscou continuamente reinventar o próprio significado do que é ser um arquiteto. Os projetos desenvolvidos pelos dois logo chamaram a atenção da comunidade internacional de arquitetos, uma abordagem que ficaria conhecida como “anti-arquitetura”, uma estratégia concebida para direcionar as atenções não para o conteúdo formal dos projetos em si, mas para o campo do debate político, elaborando críticas ferrenhas ao capitalismo e ao idealismo modernista. Em suas propostas, o Superstudio propunha edifícios e cidades onde os seres humanos parecem se desconectar do tempo, do lugar onde vivem e principalmente, das necessidades impostas por uma sociedade baseada em consumo de massa.
Dando um salto dos anos 60 até os dias de hoje, voltamos à observar uma incrível diversificação do discurso arquitetônico, com escritórios emergentes e ideias inovadoras surgindo pelos quatro cantos do planeta. As novas gerações de arquitetos têm se dedicado cada dia mais a a explorar novas tipologias e soluções projetuais, aproximando a arquitetura daquilo que ela “poderia vir a ser” caso pudéssemos nos libertar da urgente necessidade de construir, publicar e produzir lucro através da arquitetura. Embora seja muito evidente a influência da obra do Superstudio no imaginário da obra de Rem Koolhaas, Bjarke Ingles e Steven Holl—para citar apenas alguns—, é fundamental reconhecer que estamos vivenciando um retorno à uma arquitetura que, como aquela proposta pelo Superstudio na segunda metade do século passado, procura impulsionar o nosso desejo de transcender os próprios limites de nossa disciplina. Estes projetos, à sua maneira, prestam uma singela homenagem à vida e obra dos arquitetos do Superstudio, ressaltando a sua importância e relevância histórica para a disciplina da arquitetura como um todo. O que no passado foi considerado apenas um discurso ideológico e passageiro, está provando hoje ser mais um dogma que um mero movimento isolado na história da arquitetura.
No início dos anos 1970, Natalini deixava claro o posicionamento da dupla: “se a arquitetura é apenas mais um incentivo ao consumo, então devemos rejeitá-la...se a prática da arquitetura se constitui meramente como uma ferramenta de afirmação das desigualdades e injustiças de nossa sociedade, então devemos rejeitá-la até que ela finalmente venha a ser utilizada para dar respostas aos nossos problemas mais urgentes. Até que este dia não chegue, a arquitetura não tem a menor importância. Podemos muito bem viver sem ela.” Opiniões como esta se revelam também em imagens, como no projeto para “Il Monumento Continuo”, desenvolvido pelo Superstudio entre 1969 e 1970, o qual parece tão quimérico quanto a falta de sentido que a dupla via na arquitetura daquele momento. As impressionantes imagens utilizadas para ilustrar a proposta do Monumento Contínuo fazem referência ao efeito homogeneizador da globalização da arquitetura moderna do pós-guerra. As imagens são elegantes e sedutoras e embora nos provoquem uma sensação de quietude, na verdade, o efeito do Monumento Contínuo como descrito pelos arquitetos do Superstudio se pretendia mais uma “anti-arquitetura”, o resultado de uma espécie de pesadelo social.
Em outra de suas memoráveis propostas, o Superstudio desenvolveu doze projetos de cidades ideais, as quais simbolizavam as principais conquistas da historia da humanidade. Uma destas cidades assumia a forma de uma cidade espacial, ou melhor, uma nave espacial, a qual estaria viajando pelo espaço a uma distância de alguns milhões de anos-luz da Terra. A nave era como um pequeno planeta encerrado em si mesmo, com tudo aquilo que seus habitantes precisam para viver uma vida próspera e bem-sucedida. A décima primeira cidade, denominada de “A Cidade das Casas Extraordinárias”, é uma cidade que prescinde de áreas rurais e desocupas uma vez que as suas casas são 100% auto-suficientes. Todos os habitantes da Cidade das Casas Extraordinárias compartilham de um mesmo objetivo: morar na casa mais fantástica da cidade. Acontece que cada família dispõe do mesmo espaço para construir a sua casa, o que põe todas elas em uma situação de igualdade. Quase sessenta anos depois, a ideia de colonizar o espaço ou construir cidades mais equitativas e prósperas para todos ainda são temas recorrentes em nossa disciplina—ressaltando mais uma vez a relevância das propostas disseminadas pelo Superstudio mais de cinquenta anos atrás.
Embora formalmente o Superstudio tenha existido por um período de apenas doze anos, seu legado perdura ainda hoje. Talvez o fato de que o Superstudio nunca realmente chegou às vias de fato—construir ou realizar um projeto de arquitetura—, tenha colaborado para criar esta espécie de aura mágica e atemporal em torno de seus projetos. Além disso, o teor crítico de suas propostas e a forma como eram representadas transcendem o tempo e continuam a inspirar arquitetos e arquitetas ainda hoje. Na época, projetos de edifícios infinitos, naves espaciais e cidades para todos pareciam muito improváveis. Trazidas para o presente, estas propostas já não parecem tão absurdas. A atemporalidade das propostas concebidas pelo Superstudio e a sua capacidade em nos fazer pensar a arquitetura para além dos limites de nossa própria disciplina, é talvez aquilo que há de mais valioso em seu legado— e, felizmente, tal abordagem parece ainda inspirar muitos de nossos jovens colegas arquitetos.
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